A extrema direita na França tem mais de 50 anos; por que só agora ela está perto do poder?
Partido Reunião Nacional (RN), de Marine Le Pen, ficou em primeiro lugar no primeiro turno das eleições legislativas do país, no domingo (30), e pode chegar ao poder depois de dar um salto com momentos de discursos moderados e, depois, com ajuda das redes sociais. Marine Le Pen comemora após boca de urna indicar liderança da extrema direita na eleição francesa
Yves Herman/Reuters
Desde que foi fundado, em 1972, e por mais de três décadas, o partido francês de extrema direita Frente Nacional foi um nanico. Teve de esperar 14 anos para conseguir chegar ao Parlamento francês e chegou a emplacar um candidato no segundo turno das eleições presidenciais —seu fundador, Jean-Marie Le Pen.
Ainda assim, a extrema direita na França continuou à margem da política, sendo vista como um pária. As coisas começaram a mudar junto da chegada de um novo nome para o partido, que em 2018 mudou de nome para Reunião Nacional —já sob comando de sua atual secretária-geral, Marine Le Pen.
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Como funcionam as eleições parlamentares francesas
França pode ter governo de ‘coabitação’: entenda
Filha do fundador, ela assumiu após o pai ser expulso da própria sigla, por conta de discursos antissemitas. Marine foi moderando o discurso e, com isso, chegar a outras camadas da sociedade francesa.
Mas foi só com a geração das redes sociais que a sigla conseguiu dar um salto e se tornar o partido favorito para governar o país — o RN ficou em primeiro lugar no primeiro turno das eleições legislativas na França, realizado no domingo (30). O segundo turno acontece em 7 de julho.
O atual candidato da sigla para ser o primeiro-ministro, Jordan Bardella, é uma das chaves do bom momento do partido: com apenas 28 anos e discurso mais duro que o de Marine Le Pen. Bardella é conhecido por sua desenvoltura e forte apelo nas redes sociais — no TikTok, tem 1,8 milhão de seguidores, e alguns de seus vídeos chegam a ter quase 5 milhões de visualizações.
Bardella: mais radical
Embora a moderação de Marine Le Pen em comparação a seu pai tenha ajudado para tornar o partido mais popular, o discurso de Bardella não segue esse roteiro. O jovem político é mais radical que sua tutora em uma série de pautas da extrema direita, principalmente a imigração.
Nos últimos anos, Marine Le Pen vem deixando para trás pautas polêmicas, como posturas xenófobas, proximidade com o governo russo e discurso favorável à saída da França da União Europeia.
Le Pen deixou para trás também posturas racistas e antissemitas de seu pai, mas manteve pautas anti-imigração. Ela também já sugeriu a retirada do apoio da França à Ucrânia na guerra e o abandono a políticas para amenizar o impacto do carbono, com mais incentivos a indústrias francesas.
Essa moderação do discurso foi uma tática adotada por Le Pen principalmente depois de perder as eleições para o então novato Emmanuel Macron, em 2017, com uma forte rejeição no segundo turno — repetindo o que aconteceu com seu pai, que em 2002 foi esmagado por Jacques Chirac no segundo turno das eleições presidenciais.
Como funcionam as eleições legislativas na França
Além de tentar romper com a trajetória do seu pai, Marine Le Pen também investiu em outra estratégia: o treinamento e profissionalização dos políticos de seu partido com treinamentos de mídia e assessores especializados em redes sociais.
Dessa estratégia surgiu o nome de Bardella, que com apenas 26 anos foi nomeado presidente do partido.
Bardella também busca marcar distância das ideias de Jean-Marie Le Pen: ele não economiza nos discursos anti-imigração e também de negação do aquecimento global. Já acusou os migrantes de fazer a França desaparecer e disse que é preciso contê-los, caso contrário “a nossa civilização morrerá”.
Na última composição do Parlamento francês, dissolvido no início de julho por Emmanuel Macron, o RN tinha 88 dos 577 deputados da Casa. É preciso aos menos 289 assentos para garantir a maioria absoluta.
Veja a linha do tempo da ascensão da extrema direita na França.
Equipe de arte/g1
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Eleições
No primeiro turno das eleições legislativas da França, no domingo (30), o Reunião Nacional obteve 33% dos votos. A Nova Frente Popular, um grande bloco de partidos de esquerda, ficou em segundo lugar, com 28% dos votos, e o bloco centrista do presidente francês, Emmanuel Macron, terminou em terceiro lugar, com 20% dos votos.
O pleito, que havia sido convocado apenas três semanas atrás, teve recorde de participação em quase 40 anos — na França, o voto não é obrigatório — e concretizou o favoritismo do grupo político de Le Pen. O resultado seguiu o que projetaram pesquisas de intenção de votos.
Antes mesmo da divulgação dos resultados, Macron sugeriu uma aliança ampla entre “candidatos republicanos e democráticos” para o segundo turno das eleições, que acontecem em 7 de julho. Já Marine Le Pen pediu aos franceses que deem a maioria absoluta no Parlamento à sua sigla no segundo turno.
O cenário pode tornar o governo de Macron inviável na prática. (Leia mais abaixo)
Nomes da coligação de esquerda, a Nova Frente Popular (NFP), começaram a indicar uma aliança com Macron ou até o apoio total ao bloco de centro. Jean-Luc Melanchon, o líder da França Insubmissa, um dos partidos que integram o bloco da esquerda, disse após a votação que vai retirar seus candidatos caso a coligação termine em terceiro.
Pelo sistema político da França, semipresidencialista, os eleitores elegem os partidos que vão compor o Parlamento. A sigla ou a coalizão que obtiver mais votos indica então o primeiro-ministro, que, no país europeu, governa em conjunto com o presidente — este eleito em eleições presidenciais diretas e separadas das legislativas e que, na prática, é quem ganha mais protagonismo à frente do governo.
Governo de coabitação
Eleições legislativas da França têm extrema direita à frente, seguida pela esquerda e coalizão de centro de Macron em terceiro
Caso o presidente e o primeiro-ministro sejam de partidos políticos diferentes, a França entrará em um chamado governo de “coabitação”, o que ocorreu apenas três vezes na história do país europeu e que pode paralisar o governo de Macron.
Isso porque, neste caso, o premiê assume as funções de comandar o governo internamente, propondo, por exemplo, quem serão os ministros.
O primeiro-ministro atual, Gabriel Attal, é aliado de Macron, mas, se as pesquisas se concretizarem, quem deve assumir o cargo é Jordan Bardella. Após o fechamento das urnas, Bardella disse que a votação do segundo turno, na semana que vem, será o “momento mais importante da história da Quinta República da França”.
O pleito foi convocado antecipadamente no início de junho pelo presidente francês. Diante do resultado ruim de seu partido e do avanço da extrema direita nas eleições para o Parlamento europeu — o Legislativo de todos os países da União Europeia, com sede em Bruxelas –, Macron tomou a arriscada e surpreendente decisão de dissolver o Legislativo francês e marcar uma nova votação.
As eleições parlamentares são realizadas em dois turnos — o primeiro foi neste domingo, e o outro será em 7 de julho.
O presidente francês, Emmanuel Macron, sai de cabine de votação durante eleições legislativas na França, em 30 de junho de 2024.
Yara Nardi/ Reuters
Eleições na França
Yves Herman/Reuters
A líder do RN, partido da extrema direita, Marine Le Pen, vota em Hénin-Beaumont, no norte da França, em 30 de junho de 2024.
Yves Herman/ Reuters
O que acontece se a extrema direita assumir o Parlamento?
Entenda como funcionam as eleições parlamentares na França
O partido de Macron tinha maioria na constituição do Legislativo dissolvido pelo presidente, com 169 deputados. O RN, de Le Pen, era o partido de oposição mais forte, com 88 assentos.
Para ganhar maioria absoluta, é preciso que uma sigla ou coalizão alcance o número de 289 deputados. Caso a extrema direita ganhe, Macron teria de nomear um adversário para o cargo de primeiro-ministro — caso opte por não fazê-lo, ele pode ser alvo de uma Moção de Censura, um recurso do Legislativo no qual deputados votam se querem mantê-lo ou não no cargo.
No cenário do chamado governo de coabitação, o presidente mantém o papel de chefe de Estado e da política externa — a Constituição diz que ele negocia também tratados internacionais—, mas perderia o poder de definir a política doméstica e de nomear ministros, o que ficaria a cargo do primeiro-ministro.
Isso aconteceu pela última vez em 1997, quando o presidente de centro-direita, Jacques Chirac, dissolveu o Parlamento pensando que ganharia uma maioria mais forte, mas, inesperadamente, perdeu o controle da Casa para uma coalizão de esquerda liderada pelo partido socialista.
Parlamento francês
Martin Bureau/AFP
p e convocar um novo pleitop.